Sabe-se pouco sobre Pero de Magalhães de Gândavo. Nasceu em Braga, norte de Portugal, a cidade da antiquíssima Sé. Tem este nome porque sua família veio de Gand, próspera cidade flamenga de Flandres (hoje Bélgica). Foi amigo de Luís de Camões. Era latinista. Escreveu uma gramática com regras da língua portuguesa.
Pero teria estado no Brasil na década de 1560. Em 1576 entregou a uma tipografia o que foi a terceira e definitiva versão de "História da Província de Santa Cruz a que vulgarmente chamamos Brasil". Esta obra é considerada a primeira sobre a história do Brasil. Nome que, aliás, detestava, por julgar sua referência à mera tintura.
Escreveu o Tratado da Província do Brasil e o Tratado da Terra do Brasil com a finalidade de estimular a emigração portuguesa. Os dois textos foram reunidos mais tarde na História da Província de Santa Cruz.
Gândavo é o primeiro a falar em cabreúvas, árvores perfumadas, e no caju, fruta de "muito sumo" e que se come "pela calma (hora da sesta)". Descreve a banana trazida da ilha de São Tomé, que tem a feição de pepinos e uma pele ainda mais dura do que a do figo. É "mui saborosa" mas quem "se desmanda nela" está sujeito a danos à saúde e febre. Evita gratuidades. De cada coisa que descreve fala de sua utilidade.
Os bichos são curiosos e assustadores. Chama onças pintadas de "tigres", espanta-se com tatus, tamanduás, capivaras e macacos com barbas de homem. Os anapurus, papagaios multicoloridos descritos também por outros viajantes, eram abundantes. Sumiram.
Gândavo consegue descrever a aparição de um monstro sem resvalar na fatasmagoria dos bestiários da época. Monstros pulalavam em relatos fantásticos. Gândavo descreve o dele, visto no litoral da capitania de São Vicente, com detalhes. Conta que uma intrépida índia enfrentou-o, rasgando-lhe o ventre com uma espada. Imagina-se hoje que o monstro possa ter sido um leão marinho, já que tentava apoiar-se em duas patas e rugia. No desenho que o reproduz é apenas um monstro. Não se parece com nenhum outro ser vivo, apesar da sinistra e vaga aparência marinha.
O relato ganha polaridade quando descreve os índios. Diz que são pacíficos e prestimosos, mas também cruéis, "animais sem uso da razão", vingativos e canibais agressivos. "Vivem todos mui descansados sem terem outros pensamentos senão comer, beber e matar gente". E ainda por cima são "desonestos e dados a sensualidade", mas vivem livres da cobiça e do "desejo desordenado de riquezas".
Conta algumas histórias. Raptado, o índio de tribo rival é entregue a mais bela moça da tribo. Cessam as ofensas a ele. A índia trata de agradá-lo e engordá-lo por um ano. Só então ele é morto, despedaçado e comido. Se a moça engravidou dele, a criança fruto dessa união é morta e comida depois de criada, sem que "pessoa alguma se compadeça de tão injusta morte". Algumas índias certas deste desfecho matam os filhos ainda na barriga para evitar o sacrifício.
Atribuía aos aimorés uma ferocidade terrorista, já que embrenhados nas matas eles se valiam de emboscadas contra outros índios e contra os portugueses. Os tapuias não devoram inimigos. Comem os parentes doentes, que matam quando percebem que a doença se assenhorou deles, julgando que não há melhor agasalho para os entes queridos que suas próprias entranhas.
Gândavo é favorável ao extermínio desses "bárbaros" ou a sua completa escravização. Num mundo tão pequeno como o do século XVI o etnocentrismo talvez fosse inexorável. O estranhamento entre civilizações praticamente dizimou o lado mais fraco. Mas Gândavo fez da história a "vida da memória" (toma emprestado a expressão de Cícero), "e a memória (é) uma semelhança da imortalidade a que todos devemos aspirar".
Gândavo morreu em Portugal em 1579.
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